quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Parnahyba - Piauhy

                                                                                  (Pra minha mãe Aldenora)
 Tonho foi tentar a vida 
Na villa da Parnahyba
Mandou carta pra sua mãe:
Mamãezinha, Parnahyba
É monarca de bem grande.
Manhãzinha é um alvoroço
Inté hora do almoço
É gente caçando ganho.

Mamãe, as coisa aqui
São muito bem deferente
E adeversa daí
Fico besta do vivente
Trepado num tal sobrado,
Vê morada de xexéu.
O mar, eita açude grande!
Empareda lá no céu.

A igreja me dá sobroço,
O sino toca cantiga,
Cabe nela tanto povo
Pra mais de cem desobriga
De padre jogando laço
Do Belmonte inté Socó
E ainda adequere espaço
Pra despotismo maior.

E lá  na beira do rio
Tem gente que nem formiga
Rodeando briba morta.
As casas  têm tanta porta
Que mais parece o mercado
Donde se vende fiado
Passadio do mais bom,
Pro tenente e pro soldado.

Quebra o dia e pro café
Como manteiga do reino
Mais cuscús e jerimum.
Na Tutóia fui a bordo
De um vapor inguilês
Gente branca rosalgã
Titela de jaçanã
Do oi azul, couro vermei.

Inguilês fala esquisito
É periquito de ruma
Em roça de milho novo.
E é glória daqui do povo
Que os piloto da estória
Dão casimira bonita
Pra garrafa jeribita
Embarcado na Tutóia.

O navio é um pai dégua
Tem porão de botar carga
Que é tão fundo que escurece
Vista do cristão que espia.
Pro via do desassosego,
Urubu  novo no mar,
Foi o estômo vomitar
E eu perdi o meu emprego.

Nostro dia aliviado
Fui a um jogo de bilhar
É arredor de mesa verde
Que os jogador vão jogar.
Empurram ovo de ema
Dê por visto uns mexedor
Desmanchando no calor
Farinha de urupema.

Fui também a um cinema
Um pano bem esticado
E todim alumiado
Passando figura igual
De cristão a animal
Apregado numa fita
Vi  coisa da mais bonita
De parença natural.

Mamãe pra qu´eu conte tudo
Não hái papel que chegue
Dói a boneca do dedo
Que é mode meu pouco estudo
Mas antes que eu fique mudo
Vou lhe contar um segredo:
Comprei fazenda de chita
Mãe vai ficar mais bonita!


George Alberto de Aguiar Coelho


Escrito em 23.03.2008 depois que li "Parnaíba como é", do livro "Sertão Alegre", escrito por Leonardo Mota. Os versos foram feitos com base na carta de um jovem matuto pra sua mãe sobre Parnaiba que consta nas primeiras folhas do livro. Todos os méritos do texto pertencem ao grande Leota. Os defeitos sao meus. Leota nasceu na Pedra Branca no Ceará, em 1891. Foi contar suas estórias lá por riba em 1948. Ah! a Editora é a ABC.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Um alpendre, uma rede, um açude

(Fez-se filmes duns livros de Rachel de Queiroz.
Eu quis cantar em versos uma crônica da escritora de Quixadá.)
A cavaleiro do alto, a casa foi situada.
Um alpendre de três metros, uma rede atravessada.
Logo depois vem a sala, de tijolo ladrilhada,
Tamborete, mesa e pano, bico de renda trançada.
Na camarinha um baú, mais outra rede armada,
Pra vivente se encolher, nos frios da madrugada.

O corredor e a cozinha, fogão de barro no canto,
Calendário na parede, mais uma estátua de santo.
Um pilão de aroeira, pouco ou nada desgastado,
Dois potes na cantareira, cor de barro avermelhado.
Correnteza de vento, um caneco floreado,
Atrás dum pote uma rã, coaxando no aguado.

A mão direita da casa, sobra uma garra de chão,
Pruns quatro pés de milho, entre as filas de feijão.
Dúzia de bode e ovelha, chiqueiro da criação.
Uma vaca dando leite, ordenha, cuia na mão.
Perto um açude fundo, pra apanhar água em cabaça,
Se banhar vendo marreca e grito de mergulhão.

Só dois anzóis pra pescar. O graúdo é pra traíra.
O miúdo é pro cará. Pra tirar muçum da loca,
E o mais que for pegar, serve isca de minhoca,
Que, na revência do açude, de enxada se escavar.
Nada de colheita rica, nem alambique de cobre,
Nem engenho de cana, nem curral de gado nobre.

O de comer na panela. Pouca coisa mata a fome,
Que quando o corpo dá pouco, muito pouco come o homem.
Força grande é pro roçado. Cercar com ramo espinhento,
De sabiá já sem folha, quando o mato tá cinzento.
Esperar primeiras águas. Abrir as covas, plantar.
Duas limpas de enxada. E o legume apanhar.

Só paz, silêncio e preguiça. O ar fino da manhã.
Dia inteiro sem pressa. Café quente da cunhã.
Um conhecido que chega. Vai contando novidade.
Bebe um caneco d´água. Sai andando pra cidade.
O terreno é só batido. O mato cresce sozinho.
Deus nasce ele em janeiro. Em julho, já tá sequinho.

Vai-se indo o dia inteiro, sem compromisso nem pressa
E de noite o candeeiro põe luz trêmula na conversa.
Se fala então do roçado, que cada qual tem um plano,
De marca de ferrar gado, de acampamento cigano,
Das sementes que se dão, melhor que outras no solo.
E a rede no alpendre, balança a gente no colo.

Se chover o açude sangra, capote tira ninhada,
Sobe o peixe o sangradouro, tem leite, queijo e coalhada,
Mofumbo se abre em flor, rebenta verde a babuge.
Em junho se quebra o milho, cheira o aguapé do açude,
Flora amarelo o pau d´arco, cheiro doce de mimosa.
Agosto seca a caatinga, paz do sertão gloriosa.

O céu é um todo azul. A terra fica cinzenta.
Gado vem beber nas horas. E a água fica barrenta.
Pasta o seco capim e solta triste mugido.
E no alpendre da casa, uma rede de vigília,
Em balanço sonolento. O alpendre é o abrigo.
A rede é o repouso. O açude é a garantia.

Muito embora aconteça que o verão passe janeiro,
Não se quebre o milho em junho. E só sobre o juazeiro,
Mandacaru pra dar rama, pro garrote e pra vaquinha.
Se não chover esse ano, se reza a Salve Rainha,
Pra que o chão não se acabe. Só do chão carece o homem.
Que no chão ele anda vivo. E é no chão que o verme o come.

George Alberto de Aguiar Coelho


Fonte: Um alpendre, uma rede, um açude. Rachel de Queiroz.
Cem crônicas escolhidas. O caçador de tatu. 
José Olimpio Editora. RJ, 1989, p. 51 a 53.