quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Alienação Parental


Fez pouco de mim o Sujeito. Escutou reparo meu e desaforou que eu não tinha espertice pra assuntar o que não conheço e etcetera e tal... Mas foi mudando de idéia depois que segurei a pajeú pelo cabo. Que não era bem assim, Seu moço. Que espertice, não era nome pr´eu me melindrar. Que era modo de dizer se a pessoa tem sabença sobre assunto mais delicado. Que, reparando bem, eu tinha até jeito de dizer dessas coisas, sim Senhor. E ai eu acalmei o homem. Mas entonce, Seu menino, político tem sabença de vera do que fala? E apois, se fala na TV pra todo mundo ouvir, sem essa espertice descomungada? Ora, ora, Seu Distinto, pois que não fosse eu?
Culpada disso tudo foi nome de lei: Alienação Parental. Reclamei xingamento na sala. Aí o sujeito esquentou as orelhas e se deu o entrevero. Alienação Parental!? Alivio que nome feio não quer dizer muita coisa não. “A feiúra tá nos óios de quem vê”. Frase romancesca que escrevinhei vez dia pra amor perdido. Nem me importo de nome esquisito não, desde que não anuvie o entendimento. Exemplo: não brigo por nome modo Filomena, Astrogilda, Serafina, se o rosto é bonito. Arrepare, tempos por detrás, até lei de dificultar nome em batistério nasceu. Também os pais apreciavam cada de coisa. Cotovelo na mesa do tabelião, sapecavam: vai ser Rolando Ladeira Abaixo. O outro: Átila o Rei dos Hunos. É de lascar! A Última Alegria do Casal Fonseca, até que é adjutório de se explicar filho temporão. Serafina Setembrina Serebentina da Silva Sousa. Vá gostar de Se, Si, So, Su, lá na baixa da égua!
Mas lei que é lei, modéstia de lado, não havéra de ter nome feio, não. Alienação Parental?! Cruz, credo, diabo de nome feio! Clareou pra mim uma Doutorinha que Alienação Parental dá parecença com Alimentação Parenteral que, nos dizer dela, apelida as sopas de sustança sortida dada, pelas veias do pescoço, a doente de difícil cura. Sofrida necessidade que quero cristão nenhum passar por ela. Apois bem, digo do mesmo dos meninos e meninas que passam por Alienação Parental. Pai botando culpa na mãe e vice-versa e versa-vice. Só pode dar mesmo em nome feio!
George Alberto de Aguiar Coelho
Escrito em 02.09.2010

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Bolhas de Sabão

O sopro da criação
Vai formando, uma a uma,
Mil bolhinhas de sabão.
Tão pequenas, bem singelas,
São pintadas na aquarela,
Na esfera da amplidão.

Vida breve,  perdição:
Estourando, uma a uma,
Ao primeiro esbarrão.
Caravelas na procela,
Pinceladas na aquarela,
Leves bolhas de sabão.

Todas elas passarão,
Morrem e vivem, uma a uma,
Frágeis bolhas de sabão.
Alegres, tristes e belas,
Surgem e saem da aquarela,
Desígnios da criação.


Dedicado à minha irmã
Sylvia Maria de Aguiar Coelho

George Alberto de Aguiar Coelho
Escrito em 26/01/2007

Sandra Maria de Aguiar Coelho
Aquarelas de 2007

domingo, 28 de agosto de 2011

O olho de Mostafa

Olhe o olho vazado
No retrato da criança
O olho de uma criança
De uma criança, vazado.

Olhe de novo o olho
É de Issam Mostafa
Não deixe de enxergar
O olho que não está.

Não tenha medo de olhar
O olho de Mostafa
O olho que não está.

Não se esquive ao olhar
É apenas mais um olho
Um olho que não está.

George Alberto de Aguiar Coelho
Escrito em 27.07.2006


Sandra Maria de Aguiar Coelho
Desenho de 2006

terça-feira, 23 de agosto de 2011

bom dia, meu irmão!

Em 15/08/1981, li a coluna “bom dia, meu irmão!” de Antônio Teixeira, escrito no jornal “O Povo” de Fortaleza (CE). Antônio Teixeira era pseudônimo do Padre Antonio Vieira, cearense de Várzea Alegre, escritor de bons livros sobre o sertão nordestino, sendo o mais conhecido deles “O jumento nosso irmão”. Gostei muito do texto, recortei-o e ainda o tenho amarelado pelo tempo. Hoje, passados 30 anos, transcrevo o recorte. Reis, césares, imperadores, ditadores, conquistadores sempre os teremos no mundo, que é da natureza do ser humano o conflito, a guerra, a busca do domínio, do poder, geralmente com o uso da fôrça. Alexandre Magno talvez tenha sido o mais notável dos conquistadores, pela amplidão de suas conquistas. É verdade que foram efêmeras, como são todas as conquistas, pois o homem se vai e o mundo fica. Porém Alexandre Magno se diferenciava para melhor, pois quando conquistava uma terra mantinha a cultura nativa e, não raro, chamava os líderes derrotados para administrá-la. Respeitava os vencidos. Pioramos muito: não se fazem mais Alexandres Magnos.

O meu bom dia de hoje foi extraído de um documento, 300 anos antes de Cristo, mas de grande atualidade para os nossos dias. Alexandre Magno aprendeu do seu preceptor, o filósofo grego Aristóteles, a sabedoria de ouvir os outros pacientemente, mesmo que contrariassem as suas opiniões pessoais. Quando da conquista da Ásia, logo após a passagem de Grainco, recebeu um embaixador Cita que ousou dizer-lhe cara a cara:

“Se a ti os deuses tivessem dado um corpo proporcional às tuas ambições, o universo inteiro seria demasiado pequeno para ti. Com uma das mãos, tocarias o Oriente e com a outra o Ocidente, e tua cabeça passaria do Sol. A tua ambição é maior do que tu. Quando tiveres subjugado todos os homens, certamente irás fazer guerra aos rios, aos montes, as florestas, aos astros.
Por ventura ignoras que as árvores altaneiras são as primeiras a serem arrancadas pelos vendavais? O leão serve de pasto às aves pequenas e a ferrugem corrói  o ferro mais duro. Nada existe neste mundo que seja tão forte que não possa ser destruído por um conjunto das cousas mais frágeis.
Que temos a discutir contigo? Nunca pusemos os pés em tuas terras. Por que negas aos que vivem nesta terra o direito de ignorar a tua presença e o que tu és? Não queremos obedecer nem mandar em ninguém. Saibas que dos deuses recebemos como dádiva preciosa esta terra em que nascemos e que rasgamos com os nossos arados. Com os amigos partilhamos o pão das nossas mesas e na mesma taça oferecemos vinho aos deuses. Quanto aos inimigos , preferimos ignorá-los.
Tu te vanglorias de que vieste em nome da justiça para combater os ladrões. No entanto, tu és o maior ladrão da terra. Saqueaste e dizimaste as terras por onde passaste e ainda vens roubar os nossos rebanhos, os produtos de nossa terra, a nossa paz e tranqüilidade. Em tuas mãos, já não cabem mais as presas. Que pretendes fazer de tantas riquezas que somente aumentam a sede da tua cobiça e da tua ambição? Para ti, uma vitória é semente de novas guerras.
Podes perseguir os Citas, jamais conseguirás escravizá-los. Nossa pobreza e fragilidade nos fazem leves, enquanto tu terás que carregar o pesado fardo dos despojos das terras que pilhaste. Se és deus, como tu mesmo dizes, apieda-te dos mortais. Se és homem, pensa realmente no que és. Deixa-nos em paz e seremos bons amigos, pois as mais sólidas amizades se fazem entre iguais  e não te iludas em pensares ser amado pelos vencidos. Entre o senhor e o escravo não pode medrar nem crescer o fruto da amizade.
Saiba ainda que para selar uma aliança de paz conosco não há mister nem de juramento nem  do testemunho dos deuses, pois aquele que não cumpre sua  palavra não tem escrúpulo de enganar os deuses”.

Este discurso desarmou o grande guerreiro de toda sua empáfia de dominador. O poder da razão venceu as razões do poder e da força.


George Alberto de Aguiar Coelho

domingo, 21 de agosto de 2011

Palpite Infeliz

Quem é você que não sabe o que diz?
Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!
Perdoe Seu Paulo Freire a besteira
Dum governante que diz,
Apesar de saber muito bem,
Que a vida não se ganha com vintém,
Governador doe c´amor você também

Fazer tocar meu Ceará, não é brinquedo
E ensinar, sem ter futuro, é arremedo
Eu reclamei, pedi pra ver
Você torceu o seu nariz
Quem é você que não sabe o que diz?

Escola pública hoje em dia tá doente
E, sem escola, o Brasil não vai pra frente
Não pagar bem a quem bem sabe
É um erro... tão infeliz!
Quem é você que não sabe o que diz?

George Alberto de Aguiar Coelho

Paródia de Palpite Infeliz
Composição: Noel Rosa / Araci de Almeida
http://www.youtube.com/watch?v=eV1Ru_1DFWA

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Jantar à luz de diamantes

Amigo, saia da rotina. Audácia, que a vida é curta! Conquiste mais ainda sua amada. Ofereça pra ela um jantar à luz de diamantes, milhões deles, brilhantes, esplêndidos, belos,  fugazes ...  Sonho? Nada disso, é real. Brincadeira? Não, não brinco com sentimentos alheios. E, acredite, não sai tão caro assim, um jantar à luz de diamantes. Em Dubai? Não, não carece ir pra Dubai, Se bem que o lugar não atrapalha. Se o bolso atende bem, pode pintar até um clima de mil e uma noites.

Mas, se o amigo não dispõe de tempo ou dinheiro, não esquente com viagens que cansam e entediam. Fique mesmo na sua cidade. Escolha um bom restaurante. Ou, mais romântico ainda, faça o jantar em sua casa. Sim, não esqueça antes de fazer o reclame do produto pra amada. Lembre-se:  a propaganda é a alma do negócio, digo, do amor. Um jantar à luz de diamantes. Garanto: ela vai gostar.

Quer saber logo do leriado? Calma meu caro, paciência que coisa boa exige trato refinado e a lição é "de grátis". Seguinte, anote os ingredientes pro jantar. Basta uma mesa, cadeiras, panos de cobrimento, guardanapos, pratos, garfos, facas, colheres, a janta, o vinho e... o principal: velas. Sim, não pode esquecer das velas, de jeito nenhum. Sugiro mais de uma,  afinal o jantar é a diamantes.

Onde vai conseguir os diamantes? Fácil, meu caro, use as velas. Acenda-as. No momento em que forem acesas, milhões de reluzentes diamantes surgirão nas chamas das velas. Pena que, de tão pequenos, sejam invisíveis a olho nú e, de tão fugazes, tenham uma vida curtíssima. Mas isso são detalhes científicos que não atrapalham o amor. Precisa explicar pra amada? Só se ela exigir. Aí você pode dizer que a notícia saiu no jornal “Le Figaro”.

http://www.lefigaro.fr/sciences/2011/08/18/01008-20110818ARTFIG00429-les-flammes-des-bougies-sont-pleines-de-diamants.php

domingo, 14 de agosto de 2011

Meu pai

Adauto Coêlho foi meu pai. Filho de Sebastão Egidio Coêlho e Raimunda Martins Coêlho.  Nasceu em 29 de março de 1911, no Cascavel da rapadura. O Coêlho do seu nome tinha acento circunflexo. Dizem que Coêlho assim vem da família judia Cohen  e que o acento era o diferencial de identificação entre os da raça e, ao mesmo tempo, os escondia das perseguições dadas aos cristãos novos pelo reino de Portugal e Castela. Mesmo  sendo verdade, o sangue e temperamento judeu há muito já se perdeu entre nós imiscuído no caldo cultural da descendência no Brasil. A pele branca, feito louça, e os olhos azulados de meu pai, não negam ter vindo de Portugal. A cor da minha pele também é de desconfiar tenha um ramo do DNA  de lá. Nesga de sangue que restou prevalente ante à mistura feita com sangue índio tapuia dos pés da serra da Ibiapaba. Explico: meu pai casou com minha mãe Aldenora que tinha sangue portugues de meu avô e indígena de minha avó do Crateús. O lado índio realçou em minha mãe os cabelos pretos luzidios e o gosto por viagens.

Meu pai era advogado formado em 1943 pela Faculdade de Direito do Ceará. Gosto do número de sua OAB-CE:  390. Já graúdo, custei a entender Papai. Poderia ter sido juiz, desembargador, promotor de justiça, dono de cartório etc. Sobrava nele cultura e inteligência pra bem mais disso. Não quis. Faltava-lhe ambição ao dinheiro e ao poder. Não me lembro de ter-lhe visto manuseando dinheiro. Coisa estranha! Ausência completa de querer ascender às classes sociais mais altas. Carecia disso não. Também, não me recordo de ter ouvido meu pai dizendo um só palavrão. Respeitava exageradamente a ordem e o direito no sentido amplo. Seu modo de ser  dava-lhe um atributo raro: a honestidade e o senso de justiça que, via de regra, não são bons predicados pra quem quer vencer na vida, no sentido prático da palavra vencer.

De que meu pai gostava além da família? Não era do direito, embora o conhecesse bem e sim de eletrônica e mecânica que também dominava. A ruma de revistas de rádio amador, mecânica popular, que ainda as tenho herdadas dele, não me deixa mentir. Tinha amigos fiéis na faixa de rádio-cidadão, onde era o PX7-1130, que lembrava como  hora do almoço. O guarda-roupas e o seu birô escondiam  rádios velhos que ele os consertava e canibalizava suas peças pra usá-las em outros rádios. Também não quis ganhar dinheiro com o hobby. Me lembro, menino na Piracuruca de 1955, na penumbra, um rádio alumiando com seu olho mágico uma fala incompreensível para mim. Pus-me a ir por detrás do dispositivo pra tentar descobrir o sujeito falante e nada vi. Me lembro também de uma galena que ele a fez com um capacitor variável  pra sintonizar emissoras; de um avião que voava repetidas voltas em círculos alimentado por um motor à pilha. Brinquedo extraordinário pra época, construido por suas habilidosíssimas mãos. Guardou por muito tempo um avião que andava bipando e piscando e também um carro controlado através de um fio. Quando não se falava em computador, já tinha papai um brinquedo eletrônico que imitava grotescamente um jogo de ping-pong.

Mais me recordo e volto mais ao passado das  petecas, às vezes de milho, às vezes de couro, que fazia e nos dava; das figuras planas de equilibristas em madeira  que a gente controlava os saltos; das flautas de bambu; dos cavalos feitos de hastes de carnaúba; dos carros de empurrar;  dos rudimentares instrumentos de reproduzir foto em parede feitos com lentes e caixas de sapatos;  dos caleidoscópios feitos com tubos de papel, cacos de vidros e espelhos, formando mil e um desenhos simétricos fantásticos. Ainda tenho dele  algumas de suas máquinas fotográficas antigas e negativos de fotos em vidro que não sei a origem; um projetor ocular de slides chamado Televisex.  De sobra, meu pai pescava bem e também gostava de caçar de espingarda, quando essas coisas, de tão abundante que era a natureza, não se constituiam ato danoso. Tinha um revolver prateado que nunca usou trancado num arquivo de metal. Uma estante preta cheia de livros, uns deles muito especiais pra mim: a coleção Tesouro da Criança. Comprava tudo de segunda mão. Não era por pãodurismo, era mesmo a falta de dinheiro aliada à sua natureza conservadorista.

A palavra preferida de papai era colibri. Uma vez me disse que sua cidade de sonho era Veneza. Não sei porque Veneza. Uma outra vez descobri, ainda menino, na gaveta de baixo do lado direito do birô grande onde punha os seus cacarecos e soldava transistores e diodos... Descobri um lado pra mim desconhecido que supunha incompatível com meu pai. Umas poucas revistas pequenas com fotos de cabarets famosos de Paris exibindo dançarinas cujas partes pudicas vinham cobertas com uma estrela preta. Meu sentimento de culpa por alguns atos solitários - demonizados pelo catolicismo - que eu praticava, se atenuou. Afinal, meu pai também pecava. O sexo também fazia parte de sua natureza. Natureza que custei a compreender e que hoje, serenado o tempo, e se me fosse dado escolher o pai, não gostaria que fosse outro.

George Alberto de Aguiar Coelho

sábado, 13 de agosto de 2011

Livros

O avanço fantástico da tecnologia
Tem criado invenções de inúmeras utilidades,
O rádio, TV, computador: eletricidade
Trem, avião, foguete: viagem e fantasia
Tomografia, raios X e gama: terapia
GPS, lan, internet:  interatividade.
E o livro, que nos traz toda essa diversidade,
Se encontra a mão em qualquer birosca ou livraria,
Tá aberto à criança, velho, pobre e à burguesia
Em biblioteca, estante, sebo, universidade.

Certo é que se acha tudo no Google hoje em dia,
Com um toque, mil links em disponibilidade,
Pro vivente, habitante no campo ou na cidade,
É o avanço mais moderno da tecnologia,
Mas nada disso retira do livro a magia,
Simplicidade, beleza e portabilidade,
O livro é o velho fiel das engenhosidades,
Se leva pra rede, banheiro, sala e sacristia,
Livro é pra se ver, ler, cheirar, sentir com empatia
E por isso o livro tem tanta popularidade.

Prof. George Alberto de Aguiar Coelho

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Dia do advogado


Hoje, 11.08.2011, é o dia do advogado. Muitas vezes não se compreende o seu dever e, às vezes por isso, o advogado sofre críticas severas. Piero Calamandrei, jurista italiano, escreveu um belo livro: Eles, os juízes, vistos por um advogado. Ed. Martins Fontes. SP, 2000. Transcrevo da obra, à pag. 123, o seguinte pensamento que ajuda a esclarecer o papel do causídico:
“O advogado que pretendesse exercer seu ministério com imparcialidade não só constituiria uma incômoda duplicata do juiz, mas seria deste o pior inimigo; porque, não preenchendo sua função de contrapor ao partidarismo do contraditor a reação equilibradora de um partidarismo em sentido inverso, favoreceria, acreditando ajudar a justiça, o triunfo da injustiça adversária.”
George Alberto de Aguiar Coelho

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Luar da caatinga

Noite clara, branca noite
Da caatinga do sertão.
A lua da cor de prata
Ilumina e arrebata,
Vagalume e solidão.

Na imensa amplidão,
Do azul do céu leitoso,
Faíscam e caem estrelas,
Magia da natureza,
Cenário maravilhoso.

Num instante majestoso,
Toca a orquestra da floresta.
Sapo coaxa, grilo e jia.
Coruja espia e pia,
Agourando a seresta.

A natureza em festa,
Cheiro de mato no ar,
E a gente a papear,
Fumo de rolo a picar,
De cóc´ras no copiá
Da casinha de palhinha,
Alumiada ao luar.

Estórias que eu vi contar,
Com sopro no coração,
De sucuri arrochar,
De onça, boi marruá,
Lobisomem, assombração,
De  Corisco a Lampião,
Na casinha de palhinha,
Lá no luar do sertão.

George Alberto de Aguiar Coelho

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Prontuário

Ó que belo noticiário!
Foi julgamento sumário
Em fechado santuário
E o tal débito monetário
Por reflexo inflacionário
Deu um salto planetário
E limparam o prontuário
De país mais temerário.

Ó que belo noticiário!
Mas precisa que o erário
Seja superavitário
E cresça o lucro bancário
Pra atender o usurário
Que é coisa de otário
Investir no sanitário
Pra frear o obituário

Ó que belo noticiário!
Nem pensar ser atrabiliário
De gastar mais numerário
Em público educandário.
Só aumentar o tributário
Sobre o sôfrego salário
Do empobrecido operário,
Do agrário ao terciário.

Ó que belo noticiário!
Da Amazônia, o berçário,
Sob o jugo mercenário.
Entregar o portuário,
O petróleo do estuário,
Mais setor eletricitário,
Ações do mobiliário,
Pra grupo biliardário.

Ó que belo noticiário!
Mas que vistoso é o cenário
Digno de um mandatário,
Um plenipotenciário
Com um quê de visionário,
Que não seja sectário,
Pois soa demais hilário
Sonhar mais igualitário.

Ó que belo noticiário!
Falta a mim vocabulário
Para um reles comentário,
De visionário canário,
Em instinto libertário,
Num solitário diário,
Junto ao puído vestiário,
Esquecido em tosco armário.

Mas que lance extraordinário!
Por milagre monetário,
Limparam o prontuário...
E aumentou o meu calvário!

George Alberto de Aguiar Coelho
(Escrito em 05.05.2008)

O "Prontuário" é uma brincadeira que fiz em 2008, em cima de "Salário" de Carlos Drummond de Andrade. O poeta foi funcionário público, assessor do Ministro Augusto Capanema no Ministério da Educação. Devia sofrer um pouco ao constatar os limites dos vencimentos que recebia. Então reclamou em versos terminados em "ário". Já Prontuário... é uma crítica às políticas de juros altos impostas pelo sistema financeiro internacional. As agências de classificação de riscos, ao darem notas aos países, criam um prontuário de risco das nações; prontuário finalizado por notas às vezes arbitrárias e sei lá visando quais interesses. Tais agências avaliam também quem lhes paga o serviço, num jogo esquisito. Há poucos meses, erraram feio com a crise dos sub-primes. Mesmo assim, influenciam pesadamente o valor das taxas de juros que as nações pagam. Notas baixas, implicam juros altos e mais dinheiro para os rentistas e bancos. E tome carga tributária alta, desemprego e baixos salários no lombo do povo. Assim, o mencionado prontuário acaba se relacionando com salário. Quando fiz os versos, as agências de risco estavam de olho no Brasil. Hoje a bola da vez é bem mais graúda. Mas, sinal dos novos tempos, uma das agências encarou a fera: rebaixou a nota dos Estados Unidos. As demais pegaram leve...



segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A antiga estorinha de um sapo, um escorpião e uma ilha.

Enchente. Os últimos cocorotes da ilha ainda descobertos prenunciavam uma tragédia próxima.  O escorpião vê o sapo e diz: "Companheiro sapo! O Senhor que sabe nadar, tem o espirito altruísta, alce-me às suas costas e leve-me a um local seguro".  O sapo,  velho conhecedor de escorpiões, respondeu: "Não. O senhor me ferroaria."  O escorpião devolveu: "Por que cometeria tamanha insensatez? Se o ferroasse, morreria consigo pois nao sei nadar." O sapo meditou e tomou a decisão: "Sua resposta é racional. Suba. Eu o salvarei". E foram os dois: o sapo a nadar, o escorpião às costas do sapo. No caminho, o inesperado. O sapo é ferroado e, atônito, ainda ouve do escorpião: "Nao é racional ferroá-lo nesta hora, mas... é da minha natureza."

George Alberto de Aguiar Coelho
Escrito em 17.10.2003