Em 15/08/1981, li a coluna “bom dia, meu irmão!” de Antônio Teixeira, escrito no jornal “O Povo” de Fortaleza (CE). Antônio Teixeira era pseudônimo do Padre Antonio Vieira, cearense de Várzea Alegre, escritor de bons livros sobre o sertão nordestino, sendo o mais conhecido deles “O jumento nosso irmão”. Gostei muito do texto, recortei-o e ainda o tenho amarelado pelo tempo. Hoje, passados 30 anos, transcrevo o recorte. Reis, césares, imperadores, ditadores, conquistadores sempre os teremos no mundo, que é da natureza do ser humano o conflito, a guerra, a busca do domínio, do poder, geralmente com o uso da fôrça. Alexandre Magno talvez tenha sido o mais notável dos conquistadores, pela amplidão de suas conquistas. É verdade que foram efêmeras, como são todas as conquistas, pois o homem se vai e o mundo fica. Porém Alexandre Magno se diferenciava para melhor, pois quando conquistava uma terra mantinha a cultura nativa e, não raro, chamava os líderes derrotados para administrá-la. Respeitava os vencidos. Pioramos muito: não se fazem mais Alexandres Magnos.
O meu bom dia de hoje foi extraído de um documento, 300 anos antes de Cristo, mas de grande atualidade para os nossos dias. Alexandre Magno aprendeu do seu preceptor, o filósofo grego Aristóteles, a sabedoria de ouvir os outros pacientemente, mesmo que contrariassem as suas opiniões pessoais. Quando da conquista da Ásia, logo após a passagem de Grainco, recebeu um embaixador Cita que ousou dizer-lhe cara a cara:
“Se a ti os deuses tivessem dado um corpo proporcional às tuas ambições, o universo inteiro seria demasiado pequeno para ti. Com uma das mãos, tocarias o Oriente e com a outra o Ocidente, e tua cabeça passaria do Sol. A tua ambição é maior do que tu. Quando tiveres subjugado todos os homens, certamente irás fazer guerra aos rios, aos montes, as florestas, aos astros.
Por ventura ignoras que as árvores altaneiras são as primeiras a serem arrancadas pelos vendavais? O leão serve de pasto às aves pequenas e a ferrugem corrói o ferro mais duro. Nada existe neste mundo que seja tão forte que não possa ser destruído por um conjunto das cousas mais frágeis.
Que temos a discutir contigo? Nunca pusemos os pés em tuas terras. Por que negas aos que vivem nesta terra o direito de ignorar a tua presença e o que tu és? Não queremos obedecer nem mandar em ninguém. Saibas que dos deuses recebemos como dádiva preciosa esta terra em que nascemos e que rasgamos com os nossos arados. Com os amigos partilhamos o pão das nossas mesas e na mesma taça oferecemos vinho aos deuses. Quanto aos inimigos , preferimos ignorá-los.
Tu te vanglorias de que vieste em nome da justiça para combater os ladrões. No entanto, tu és o maior ladrão da terra. Saqueaste e dizimaste as terras por onde passaste e ainda vens roubar os nossos rebanhos, os produtos de nossa terra, a nossa paz e tranqüilidade. Em tuas mãos, já não cabem mais as presas. Que pretendes fazer de tantas riquezas que somente aumentam a sede da tua cobiça e da tua ambição? Para ti, uma vitória é semente de novas guerras.
Podes perseguir os Citas, jamais conseguirás escravizá-los. Nossa pobreza e fragilidade nos fazem leves, enquanto tu terás que carregar o pesado fardo dos despojos das terras que pilhaste. Se és deus, como tu mesmo dizes, apieda-te dos mortais. Se és homem, pensa realmente no que és. Deixa-nos em paz e seremos bons amigos, pois as mais sólidas amizades se fazem entre iguais e não te iludas em pensares ser amado pelos vencidos. Entre o senhor e o escravo não pode medrar nem crescer o fruto da amizade.
Saiba ainda que para selar uma aliança de paz conosco não há mister nem de juramento nem do testemunho dos deuses, pois aquele que não cumpre sua palavra não tem escrúpulo de enganar os deuses”.
Este discurso desarmou o grande guerreiro de toda sua empáfia de dominador. O poder da razão venceu as razões do poder e da força.
George Alberto de Aguiar Coelho
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