terça-feira, 2 de agosto de 2011

Prontuário

Ó que belo noticiário!
Foi julgamento sumário
Em fechado santuário
E o tal débito monetário
Por reflexo inflacionário
Deu um salto planetário
E limparam o prontuário
De país mais temerário.

Ó que belo noticiário!
Mas precisa que o erário
Seja superavitário
E cresça o lucro bancário
Pra atender o usurário
Que é coisa de otário
Investir no sanitário
Pra frear o obituário

Ó que belo noticiário!
Nem pensar ser atrabiliário
De gastar mais numerário
Em público educandário.
Só aumentar o tributário
Sobre o sôfrego salário
Do empobrecido operário,
Do agrário ao terciário.

Ó que belo noticiário!
Da Amazônia, o berçário,
Sob o jugo mercenário.
Entregar o portuário,
O petróleo do estuário,
Mais setor eletricitário,
Ações do mobiliário,
Pra grupo biliardário.

Ó que belo noticiário!
Mas que vistoso é o cenário
Digno de um mandatário,
Um plenipotenciário
Com um quê de visionário,
Que não seja sectário,
Pois soa demais hilário
Sonhar mais igualitário.

Ó que belo noticiário!
Falta a mim vocabulário
Para um reles comentário,
De visionário canário,
Em instinto libertário,
Num solitário diário,
Junto ao puído vestiário,
Esquecido em tosco armário.

Mas que lance extraordinário!
Por milagre monetário,
Limparam o prontuário...
E aumentou o meu calvário!

George Alberto de Aguiar Coelho
(Escrito em 05.05.2008)

O "Prontuário" é uma brincadeira que fiz em 2008, em cima de "Salário" de Carlos Drummond de Andrade. O poeta foi funcionário público, assessor do Ministro Augusto Capanema no Ministério da Educação. Devia sofrer um pouco ao constatar os limites dos vencimentos que recebia. Então reclamou em versos terminados em "ário". Já Prontuário... é uma crítica às políticas de juros altos impostas pelo sistema financeiro internacional. As agências de classificação de riscos, ao darem notas aos países, criam um prontuário de risco das nações; prontuário finalizado por notas às vezes arbitrárias e sei lá visando quais interesses. Tais agências avaliam também quem lhes paga o serviço, num jogo esquisito. Há poucos meses, erraram feio com a crise dos sub-primes. Mesmo assim, influenciam pesadamente o valor das taxas de juros que as nações pagam. Notas baixas, implicam juros altos e mais dinheiro para os rentistas e bancos. E tome carga tributária alta, desemprego e baixos salários no lombo do povo. Assim, o mencionado prontuário acaba se relacionando com salário. Quando fiz os versos, as agências de risco estavam de olho no Brasil. Hoje a bola da vez é bem mais graúda. Mas, sinal dos novos tempos, uma das agências encarou a fera: rebaixou a nota dos Estados Unidos. As demais pegaram leve...



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