domingo, 13 de outubro de 2019

Dê na farinha também, moço!

O barulho do motor foi-se chegando aos confins do Belmonte. Coisa bem diferente pro povinho dali, acostumado de só escutar berro de bode, mugido de gado, rosnar de jumento, canto de rolinha e barulhos de mais viventes das caatingas do Piauhy. Uns até se esconderam temendo premoniçao trazida das profundezas. Outros, afoitos, foram espiar desconfiados, o moço fino descer do jeep 51, logo baixou a poeira. Sorriso largo, o moço indagou inquisitório do Capitão.
- Capitão Raimundo, tá me esperando? Senhor sim, mais ele chega.
Menos verdade não era, o Capitão vinha camihando das bandas do açude num passo de molejo lento. Fez pelo sinal no passar o cemitério branco onde estavam depositados dois filhos e dirigiu-se ao moço.
- Pois não, sim Senhor, Seu moço. 
- Honra em lhe conhecer Capitão!.
Sob às vistas do Capitão, o moço curioso passeou as barbas ralas nos aposentos da fazenda. Serviu-se do banheiro, notou os apetrechos de vaqueiros escanchados nos troncos de carnaubeiras da sala de visita; observou os nichos no alto da parede onde o capitão salvava os venenos e remédios do gado e de picada de cobra ainda com cheiro de creolina, andou pela sala de tijolo envernizada do uso, visitou a cozinha de fogão de lenha, curiou os caixões de aroeira onde o capitão guardava farinha e arroz colhidos na Pedra Branca, fazenda no pé-de-serra da Ibiapaba.
Depois subiu a escada em caracol, descortinou de cima a serra Grande, o açude e, em todo o derredor, a caatinga sobrançeira. Então desceu e no caramanchão velho ao lado, viu um bode espichado de cabeça pra baixo pingando sangue na bacia de aluminio. Ao seu lado um caboclo tirava o couro do animal forçando com punho cerrado, o que antes tinha se iniciado com faca afiada.
- É pro almoço, Seu moço.
Mas da vistoria, atentou mesmo foi pras muitas sacas de cera de carnaúba dispostas no armazém e na sala de espera. Amarelas, vistosas vê barras de ouro, não fora a irregularidade dos cacos.
E se serviu, sôfrego, no almoço da carne do bode que viu espichado, a tal ponto que o Capitão, fugindo das filigranas diplomáticas, lhe advertiu:
- Dê na farinha também, moço.

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