Já li muitos emails, alguns raivosos, afirmarem que o Sul do país sustenta o Norte. Sul e Norte tomados em sentido geográfico amplo. Faço a seguir algumas considerações sobre isso.
Faz um tempo, li numa revista de mineração que o Pará ultrapassara Minas Gerais na produção de minério de ferro, transportado pelo porto de Itaqui no Maranhão. Brevemente, a Bahia seria o terceiro na lista. O Ceará também está produzindo ferro e o Piauí vai no mesmo rumo. De quebra, além da ganga transportada no porto do Pecém, o Ceará espera urânio e fosfato de Itatira e colhe o sopro do vento pra alumiação das cidades. Pernambuco faz navios. Petrolina e Juazeiro são polos exportadores de frutas. Rio Grande do Norte, Sergipe e mais estados do Nordeste produzem petróleo. A Paraiba, algodão. Alagoas, açucar e álcool. E o Piauí vê a sufocante soja crescer engolindo a mata que lhe dá o mel nativo.
Confesso que não tou nada entusiasmado com o progresso. Primeiro, porque PIB e bem estar, nem sempre andam juntos. Quanto mais se produz commodities, mais as danadas barateiam. Exemplo antigo é o café de São Paulo. Em outras eras, queimou-se café, comprado pelo governo federal, pra sustentar o preço. Num mundo de fome, um atentado ao bom senso. Pra economia, decisão acertada. Pois bem, o mundo de hoje carece de sempre produzir mais no ganho crescente da mais-valia dando razão pro velho Marx. Por outro lado, produzir é barato porque produto nenhum reflete seu custo. O custo do transporte, por exemplo, não considera a poluição do ar, nem o custo dos acidentes no sistema de saúde. Quando se produz refrigerante, não se leva em conta os danos aos rios, mares, lagoas, entupimento de pet´s nos bueiros das cidades alagadas etc. Tudo vai num saco só de coisa boa chamado PIB que o lixo vai pra baixo do tapete. E por fim se exulta: somos a sétima economia do mundo!
Creio, chegou a hora de se falar menos em crescimento sustentável e mais em decrescimento sustentável. Sustentável que é pra evitar sopapo forte, tanto no crescer quanto no decrescer. Apenas, não há mais escolhas a fazer, se gente quer ter futuro. Tem de inverter o processo e ponderar pelo decrescimento já, senão não dá mais tempo. Até vi recentemente na TV que o Piauí estava num ritmo de crescimento nunca antes visto. Algumas cidades se espraiando por conta da produção de soja trazida por gaúchos. O recado tava no ar: que a gente dos pampas dava lição aos piauienses etc. Um governante nativo, no defeso, chegou a dizer que isso se devia ao fato de os primeiros piauienses serem vaqueiros, que traziam a cultura do produzir apenas o suficiente pra si e nada mais. Menos verdade, não é. Mas não se trata de defeito maior. Ressaltando que se tem diferença entre pilotar cavalo e colheitadeira, os dois dão trabalho suado e o primeiro é até mais perigoso pelos espinhos desalmados da caatinga.
No entretanto e debruçado na janela do tempo, se pode ver a produção piauiense de soja de outra maneira. Quem lucra com tal produção? A soja serve pra pagar o produtor a pagar as dívidas e embolsar uns trocados. Mas lucro pra valer, e crescente, deve ser de quem monopoliza a semente de soja resistente ao veneno; bem como de quem mercadeja o produto ao estrangeiro. Verdade que cidades piauienses crescem. A ponto de discursarem pro desmembramento infeliz do estado, como fazem agora com o Pará. Agora, no contraponto, quem perde? Em primeiro lugar: o meio-ambiente. Trata-se de produção de monocultura, com avanço em cima do cerrado. Espécies vivas são dizimadas aos montes, penso eu. E, de quebra, a lei dos rendimentos decrescentes do Seu Malthus já deu no couro de muito solo viciado em soja transgênica e calcário. De sobra, não lucra o pequeno produtor do Piauí, pois nem roça pra plantar feijão, milho, melancia e jerimum ele vai ter mais. E a curva da desigualdade da Gini? Vai melhorar? Vai nada! No derradeiro, de vez perde o Brasil, pois o patrimônio maior da gente não é soja, mas sim a biodiversidade.
Brasil com capitães das esquerdas e das direitas, vide Código Florestal em trâmite, deixando escapar a chance de ser a grande nação criadora do inusitado “Nunca antes neste país, se pensou na vida, enquanto é tempo”. Esse devia ser o discurso de país feliz à la Butão. Bem diferente de Brasil que briga pra sediar Copa do Mundo e Olimpíada, que arenga pra fazer parte do Conselho de Segurança da ONU, aliás órgão deveras tolerante às grandes potências mundiais, quando pisam o direito internacional. Perde o Brasil em copiar modelos de desenvolvimento que tão acabando com o mundo. E mais perde quando não exige e implanta políticas de compensação financeira pra quem mantêm suas reservas naturais preservadas. Isso, nem novo é. Exemplo: o abastecimento d´água de Nova York ia ser feito com construção de sistema de tratamento caríssimo. Aí surgiu um sujeito que propôs pagar aos proprietários de terra a montante serviço outro que não fosse à conservação de nascentes e rios. Resultado: custo muitíssimo menor pra água limpa de origem.
E quanto aos estados do Norte do Brasil? São mesmo pedintes do Sul maravilha? Ora, devagar com o jumento que o pote é de barro! Certo é que a gente se transformou em país mega exportador de produto primário. É chique ser player! A coisa vinha desenhada de 30 anos pra cá. Investimento pesado na mineração e energia era coisa pra Viúva. Tem reportagem interessante na Revista Visão de 1978. Ali, um mega empresário da Paulista pedia ao governo militar recursos federais pra viabilizar extração de alumínio em Trombetas no Pará, que a iniciativa privada não tinha porte pra isso, que era dever do Estado e não sei quê mais. Ora, ninguém é bobo, a necessidade de commodities tava chegando às portas. Na China de Mao pra Den-Shiao-Pin, faminta de matéria prima, nem passou dinastia. E hoje o PIB do Brasil vem basicamente da mineração. Escolhemos, ou nos escolheram, pra sermos fornecedores de matéria prima do mundo. Só isso! Pensar? Nem pensar! Por outro lado, dentre os itens da mineração, se sobressai o ferro. Ora, se o ferro é a principal alavanca das exportações brasileiras, por que então o estado do Pará seria pedinte de recursos da União? Não os têm suficientes pela mineração?
Não sei resposta. Mas quero ir além dos tributos e da engenharia da ICMização estadual que já explicam muito a transferência de renda do Norte pro Sul. Gostaria de olhar pra Paulista e ver se a mesa que fecha o câmbio do minério do Pará não tá nela instalada. Sou curioso de saber por que a inteligencia da mineração pousou em campus de ciência e tecnologia nos arredores de Minas, e não fez o mesmo no Pará. Desconfio que são decisões políticas de quem tem o poder do mando. Tem muito a ver com a história. Se D. João VI no proveito da dormida em Salvador, onde escapou das tormentas da viagem, tivesse se instalado de vez na Bahia... Se Recife continuasse a Maurilândia, maior cidade da América Latina prorrogando a saga de Mauricio de Nassau... Se a Confederação do Equador, com pernambucanos e cearenses, tivesse triunfado desalojando D. Pedro I do Império... Se cearenses e piauiense, após centenas morrerem, não tivessem encarcerado o Major Fidié, comandante das tropas portuguesas que mantinha o Norte sob o reino de Portugal, mesmo após a independência do Brasil... Se o cearense Montenegro tivesse dado uma doideira nele e instalado o ITA em Irauçuba... Se os bancos grandes não tivessem engolido os pequenos... Se tivéssemos sede de banco gigante no Juazeiro do meu Padrim, assim como temos dezenas de nano bancos, igual ao Palmas do conjunto Palmeiras, em Fortaleza, com moeda própria e tudo. Tudo no condicional!
No indicativo presente, só as transferências financeiras de ruma que os mega bancos e administradoras de cartões levam pras sedes. E onde ficam estas senão no Sul? Isso tá na planilha dos paga/recebe? Voltando ao rumo Norte, como fica, por exemplo, o Pará? É ou não é o principal responsável pelo sucesso da balança comercial? Se é, vai ficar mesmo só com o buraco da terra exaurida? Nenhum royaltie pra ressarcir o Pará do minério extraído? Nenhuma universidade, centro de pesquisa e tecnologia no Pará, por conta da mineração e do resultado das exportações? E quanto à Amazônia? É pra produzir mais do que já o faz a sua biodiversidade? Será mais importante tal produto que as chuvas que ela sempre deu de graça pro Sul do país?
George Alberto de Aguiar Coelho - (george.coelho@bol.com.br)