segunda-feira, 19 de março de 2012

Devagar com o andor que o santo é de barro


Cumpade George! Cuma tem passado cum a famia?

Se num temo santo brasileiro, bem que São José nos serve. Tem cidade com nome do santo em tudo quinté banda, desde São José do Rio Preto, no Sum Paulo, inté a terra do cumpade Hamilton: São José do Mipibú. Mas São José é mermo é padroeiro do Ceará, pro mode que é o santo das chuva e 19 de março é seu dia. O caboclo no sertão carece de chuva e entonce se fia inté em mandinga pra descobrir tempo chuvoso pro mode vever e prosperar. Vesp’ra do dia de Santa Luzia, 13 de dezembro, faz 6 pedrinha de sal, e deixa no relento vendo as que se desmancha n´água. Cada pedrinha, representando seis meis na frente: pedrinha desonerada, meis bom de chuva. No Natá, percura a barra no céu. Entonce, se a barra num vem, a terra inda continua estorricada, o vento soprando forte e vermei o sol, se socorre pro dia de São José, pra donde devota suas última esperança de chuva. Se não chover inté ai: babau sararau.

Pois bem, cumpade, em todas as vez do dia do Santo, me alembro de uma historinha passada no Quixeramobim, noutras  eras mais longe, mas adispois de ali já ter sido só malhada de gado e arrancho de vaqueiro, pro mode se achar as macambira, o capim mimoso e as plantação nas croas do rio mei aos aluviões: a Freguesia de Santantoin de Quixeramobim. Lá foi adonde nasceu o Santantoim Conselheiro de Canudos. Vosmiçê conhece bem o Quixeramobim, a  mei camim entre Quixadá e Senador Pompeu, lugar quente, sagrado, de reza, e de santo, entonce num carece de mais presentação.

Pois bem, o que queria mesmo eu palestrar era sobre a história de que me alembro sempre.  Naquelas eras, Seu Vigário, da paróquia de Quixeramobim, queria um São José deferente do que tinha entonce na igreja. Ele pensava: “O povo vai se sentir mais atraído se o santo do seu adoro se aparentar mais cum eles, mode se enxergar um no outro”. E apois? O que ele tinha na igreja era mei brancoso, tipo galego, duns óio meie azulado, denunciando ser doutras bandas, e a gente daqui sendo mermo bem deferente, oio melado, gente mei acaboclada, tiquim sarará, cabeça chatada e sem pescoço, de se espichar em rede de tucum, que é que nem nóis dois somo iguaizim, cum as graça de Deus!

Entonce que Seu Vigário pediu ao Berquió, mestre de loiça, zaroi mais bom de ofice, que fizesse um São José de barro pro mode trocar o antigo de loiça branca francesa nos intrevalo da procissão. Preguntou quanta era o trabáio de Berquió e este arrespondeu: “Num carece não, Seu Vigário, empereito sem paga”. Combinado, Berquió trabaiou no santo cum toda devoção de um cristão condenado, cum prejuízo inté da sua broca de roçado, de mie e de feijão que restava findar e inda de plantar mei às coivaras do mato, que era tempo de plantie. Vesp’ra do dia do Padroeiro, se assucedeu que Berquió cumpriu o trato: intregou ao Seu vigário o São José feito de barro. Satisfação pra aqui, pracolá, o Santo entonce é prometido pra procissão do dia seguinte em lugar do São José de loiça branca, muito bem guardado no artá pra qualquer emergênça e pras ocasião especiar.

Boquinha da noite, Berquió todo banhado, de calça de brim azul e sandália de rabicho de couro cru, prontim, prontim, espiava pra donde pegar o andor que ele merecia de levar na procissão do Santo. Num sei cuma, Cumpade, mas Seu vigário tinha um penso deferente. Colocou uns Sinhô vestido de paletó de casimira branca, de calça de lim, tresandando prefume pra tudo quinté lado, pra segurar o andor: o Deputado, o Prefeito, o Juiz, o Delegado, o Coroné e o Agiota. Dizi que pra cada um tinha um motivo. O Prefeito trabaiava cum as  verba inviada pelo Deputado. O Juiz era otoridade de mando do Delegado que obidicia as ordins da Incelência: batia e prendia. O Coroné, além de acoitar pistoleiro, fornecia o capão, o bacurim, a farofa, o chouriço e o bolo de macaxeira que, na falta de outre, ele mermo arrematava no leilão mei às quermesses da festança do padroeiro. O Agiota, num era boa gente não, cumpade! mais num podia ser esquecido no andor que o ome era ladino e prevesso qui nem jagunço tocaiado em avelós: um carcará sangüinolento.

Vendo a arrumação, foi, num foi, Berquió recramou: “Seu Vigário entonce num vou segurar o andor mermo tendo feito o Santo todim? E o crérigo arrespondeu: “Meu Fio, espie: você está de brim azul e pragata de rabicho de couro cru. Só pode levar o Santo quem tá de terno, de cambraia branca, gravata, caça de lim, meia e sapato sociar”. Nessas alturas, cumpade, carece  dizer pra vosmicê que segurar o andor é prova de prestige e poder nas redondeza. Largou-se a procissão. Foguetório, e as Vivas. Vivas pra São José: viva! Vivas pro Seu Vigário: viva! Vivas pro Deputado: viva! Vivas pro Prefeito: viva! Vivas pro Juiz: viva! Vivas pro Delegado: viva! Vivas pro Coroné: viva!  Vivas pro Agiota: viva! ... Vigie: ESQUECERAM DO BERQUIÓ.

Mais tarde, chove copioso que São José tarda mas num faia. O Prefeito escorrega no chão liso feito sebo e tchacabuuufo cum as venta no chão que é sangue espirrando pra tudo quinté banda. O santo se desequilibra e por pouco num se arruina todo em caco  mei aos lamento dos omes e das muié rezadeira. Ufa! Ufa! Ufa! ... Adispois de ricuperado o equilibre, a procissão tem de seguir sem o Prefeito, que as ventas foram pro remendo. Mas o camim tá um brejo só, mode o massapê vermei, tá liso feito uns diabo da molesta. Logo agora num trecho de quebrada e aclive fundo e os omes do carrego tão descaídos! No perigo, Seu Vigário num teve conversa não e ordenou: “Berquió? Ninhô, sim! Seu Vigário. Berquió, vem Berquió! Te alui ome! Tu é a salvação! Pega o lugar do Prefeito! Ajuda Cristão de Deus!”. Mas Berquió, que na coxia do camim só acompanhava a procissão, enxotado que foi do andor, arrespondeu: “Não. Esconjuro, Seu Vigário. Posso não. Tou de brim e pragata de rabicho de couro cru. Magina se for, meu Santim vai me arrenegar!."

Do Cumpade Bastião de Zeca! De Santantoim da Pindoba, do Ceará, nas quebrada da Serra Grande cum o Piauí, no dia da graça de 19 do março de 2005.

George Alberto de Aguiar Coelho

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