sábado, 5 de abril de 2014

As Moças do São Francisco - Alexandre Zabelê


Maria Gomes de Oliveira (Maria Bonita)
8.3.1911 Paulo Afonso - Bahia. 28.7.1938 Poço Redondo - Sergipe


As moça do S. Francisco
São pobre, mais tem ação
Guardam queijo e rapadura
Pro borná de Lampião.

As vez tambem elas guarda,
Fora o queijo e a rapadura,
Uns oiá daquele jeito,
Que mata ás vez e ás vez cura.

E com os estrepes do oiá,
Que sem pena a gente fura,
Elas dão aos cangaceiros
Alivio nas apertura.

E dão ainda corage
Os amô dessas menina
Prá viver como se véve
No coice da carabina.

Outras vez essas caboca
Tudo dão e com fartura:
A noite de seus cabelo
E o luá da fermusura...

Antonce é um céu aberto
A vida do cangaceiro...
A gente véve cantando
Como galo no terreiro.

As tristezas vão-se embora
Do peito da criatura;
Inté mesmo é um prazer
Um tiquinho de amargura.

Não sei se Deus fez os home,
Mais porem fez as muié
Uma só morena dessas,
Tem tudo que a gente qué.

Tem lá dento da garganta
O canto dos passarinhos,
E nas denguice da fala
Os dengo que hai nos ninho,

Tem a noite nas pestanas,
Tem na luz dos óio o dia,
Na boniteza do corpo
Tem as maió maravia...

Quem já correu muita terra,
Moças iguá não achou.
A forma em que Deus fez elas
Logo depois se quebrou.

Pode havé pulas Oropa
Muita riqueza e brancura,
Mais é aqui no sertão
Onde mora a fermusura.

Maria Déa é um anjo,
Uma lindeza, um amô,
Uma princesa encantada
Que Lampião encontrou.

Essa Maria Bonita
Faz gosto mesmo se vê;
As fermusura do mundo
De inveja vão se escondê.

Aos amô dessas morena
Ninguém, ninguém arreseste.
Elas tem todo os encanto,
Todo o calô do nordeste.

E mesmo que se arresorva
Vivé-se no caritó,
Cai-se um dia na arataca,
No cipoá de um chodó.

Se a raça dessas muié
Mandasse Deus acabá,
O só perdia o calô,
O céu perdia o luá.

E o sertão dos imbuzeiro,
Dos velame perfumado,
Ficava sendo um deserto,
Medonho, amardiçoado.

As moça do São Francisco,
É um céu e um cabedá;
Deus me mande uma delas,
Pode o mundo se acabá.

Pode o mundo pegá fogo,
Pode a terra se arrazá;
Tendo o amô de uma morena,
Tendo a terra, o céu e o má.

Quando penso nessas coisa,
Nesse milague do amô,
Cada vez mais acredito
Nos podê do Criadô.

As muié tão delicada,
Só com a voz e com os oiá,
Põe este mundo ás avessa
E ás vez de perna pro á.

Elas faz de um paraiso
Um inferno abrazadô,
De um inferno um céu aberto,
Entupido de fulô.

Ah! morenas feiticeira,
Que Deus um dia inventou
Se não fosse os oiá delas,
Não havia os cantadô

Se não houvesse na vida
Seus amô, seus benquerê,
O mundo não era mundo,
Era um pena se vivê.

Se não fosse essas caboca,
Não tinha graça o sertão:
Não brincava os cangaceiros,
Não havia Lampião.

Poesia de Alexandre Zabelê editada no artigo "Maria Bonita e a Poesia do Sertão" escrita pelo jornalista Melchiades da Rocha exclusivo para a Revista Noite Ilustrada de 14.1.1941. Melchiades da Rocha, que veio a escrever depois o livro Bandoleiros das Caatingas, foi o enviado especial da revista ao cenário fumegante da Batalha de Angicos, onde volantes alagoanas comandadas por  João Bezerra mataram o Capitão Virgulino Ferreira, o Lampião. Como dizia a revista  no mesmo artigo: "Enviado pela A NOITE para realizar a sensacional reportagem, ele percorreu todo o trecho de sertão emocionado pelo acontecimento, falou aos principais personagens da façanha, pisou o solo sobre o qual acabou o mais terrível bandoleiro nordestino. Teve diante dos olhos o drama e recolheu, juntamente com esplendida documentação jornalística, a impressão direta dos participantes e espectadores. Mais tarde, voltou a esse sertão e enriqueceu ainda mais seu cabedal documentário com a maravilhosa reação poética dos cantadores sobre a morte de "Lampeão".

George Alberto




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