sábado, 22 de setembro de 2012

Intolerâncias


Fala-se muito da intolerância dos árabes. No aspecto religioso - refiro-me aos muçulmanos - concordo. São intolerantes. Mas, particularmente, penso que, por outro aspecto, eles são paradoxalmente muito tolerantes quando, por exemplo, foram, ao longo dos últimos 70 anos, explorados, subjugados e humilhados em sua própria terra e riqueza cultural e espoliados sem dó no muito do petróleo que têm. E creio até que a intolerância árabe atual seja explicada com o que sofreram no passado, sofrimento que ainda perdura hoje. Contudo, serão apenas eles árabes intolerantes? E os cristãos com suas cruéis cruzadas do passado, os dias de queimas de protestantes, perseguição aos ritos do Candomblé etc. não foram, ou são, também intolerantes, não? 

No caso do Brasil, por exemplo, acho que a sociedade brasileira progrediu demais nos aspectos de minorar as desigualdades e eliminar preconceitos burros, idiotas e maléficos contra grupos e raças. Mesmo havendo muita gente brasileira que ainda guarda vestígios fortes desta parte muito ruim do nosso passado, mesmo assim, evoluímos muito. Fomos os últimos da América Latina, e o Ceará com o herói Dragão do Mar foi o primeiro do Brasil, a libertar os escravos, é verdade. É verdade também que a libertação também se deu por motivos econômicos e por imposição inglesa. De tal forma, que, embora tardiamente o tenhamos feito quanto à escravatura, são bem vindas e necessárias a eliminação de todas as formas de discriminação da sociedade. 

Mas, voltando ao tema da intolerância, acho que o Brasil, sob determinados aspectos, ficou bastante intolerante quanto à liberdade de expressão. Criou-se a indústria da judicialização das besteiras. Por exemplo, se alguém diz que um fulano é mané-mago, toma processo nos couros. Se for baixo, apelido de tamborete de forró ficou no passado; orelha de abano, também; cabeça de bater sola, pra quem tem cabeça achatada; cururu de goteira, pra quem é corpulento; boca de biquara, mulher de beiços exageradamente pintados; vaqueta de espingarda, mulher alta e magra; caga-raiva, indivíduo aporrinhado; e se além da aporrinhação, o indivíduo for baixo, tatú enfezado, é de lascar! Já o CDF (Cú De Ferro), que servia pra discriminar os melhores estudantes, era nome feio e intimidador. Porém, depois do Bill Gates e Steve Jobs, CDF´s no trabalho e criatividade, virou distinção de grife. O fato é que, se o indivíduo falar mal hoje mais um pouco de outro, pode ser acusado de praticar bullying (palavra horrorosa inglesa). Exceções desse comportamento parece são as piadas de português e de loura burra que andam às soltas por aí pra quem quiser contá-las. 

Proibições? Chegamos ao cúmulo de querer proibir obras de escritores de vulto, como agora acontece com Monteiro Lobato. Não se leva em conta os aspectos históricos e culturais de quando foram escritas. Por exemplo, na época do Padre Vieira, ele um grande defensor dos índios, indígenas não eram considerados humanos. Então, diante do ambiente e época em que o Padre Viera vivia, não se pode querer que o jesuíta escrevesse com o pensamento politicamente correto de hoje. Assim, como não se pode querer que uma revista humorística francesa hoje em dia, como é o caso tratado na reportagem do link abaixo, faça piadas com todas as religiões e exclua, destas piadas, a muçulmana. Não tem cabimento. Isso é contra a liberdade de expressão.

De tal maneira que, da forma que vai, à semelhança do que fez a igreja católica no passado, vai-se acabar criando, em terras tupiniquins, um "Index Librorum Prohibitorum" dos interditos onde alguns ou muitos escritos de, por exemplo, Pe. Antônio Vieira, Gregório de Matos Guerra, Machado de Assis, Nelson Rodrigues, Leonardo Mota, Gustavo Barrosos seriam tarjados como impublicáveis. Vai-se também acabar inundando o judiciário, já paralisado hoje, com discussões de questiúnculas tão importantes como brigas de comadres o são. Vai-se, com o pretexto de acabar com a intolerância, replicar ou criar ainda mais intolerâncias. 

George AA Coelho

Fontes:
2. No Tempo do Lampião. Leonardo Mota..3a. Ed..p. 145 a 148. ABC Ed. , 2002

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