Autor: José Ivo Santos Viana
É fato
conhecido na história do Ceará que, apesar de ter sido “descoberto” pelos
europeus antes da vinda de Cabral, a ocupação do seu território só viria a
acontecer mais de cem anos depois.
Desde o “descobrimento”,
vários pontos do Brasil foram habitados, porém somente no ano de 1534 ocorreu a
primeira tentativa de colonização das terras descobertas com a instituição pelo
rei de Portugal Dom João III das Capitanias Hereditárias, que consistia na
divisão da colônia em doze territórios entregando a administração a membros da
corte, chamados de donatários. Alguns não chegaram a tomar posse, caso do
donatário da capitania do Ceará. No dizer de Gilmar de Carvalho, “O Siará
Grande, imenso areal entre Pernambuco e o Maranhão, ficou à deriva pela recusa
de seu donatário Antônio Cardoso de Barros de vir colonizar as terras
que recebera da coroa”. (01)
Somente no ano de 1612, no dia de São
Sebastião, 20 de janeiro, Martins Soares
Moreno, o guerreiro branco da obra de Alencar deu com os costados na foz do rio
Ceará e ali construiu o forte São Sebastião, dando inicio a ocupação da costa
cearense. Depois veio a invasão holandesa com a construção do Forte
Shoonenborch no cume do morro Marajaitiba, ao sopé do qual corria o riacho do
mesmo nome, hoje o nosso agonizante Pajeú. Mais tarde, a retomada dos
portugueses e a reconstrução do forte com o nome de Fortaleza de Nossa Senhora
da Assunção, marcaram a ocupação definitiva da costa. A
ocupação das terras do interior, entretanto, ainda demoraria cerca de 80 anos,
com a concessão de sesmarias por volta do ano de 1680. Essas sesmarias foram solicitadas
inicialmente nas margens dos rios próximos à Fortaleza e em seguida nos mais
distantes, concentrando-se principalmente nas bacias dos dois principais rios
cearenses, Jaguaribe e Acaraú.
A primeira sesmaria que se tem notícia na
ribeira do Acaraú foi concedida em 20 de
setembro de 1683 a um grupo de moradores da capitania de Pernambuco, comandados
por Manoel de Góes, ficando conhecida como “datas dos Góes”.
No ano de
1702, a 14 de outubro foi concedida uma sesmaria a Leonardo de Sá e seu amigo Antônio
da Costa Peixoto, “medindo três léguas de terras seguindo o curso do rio
Acaraú, com meia légua de largo para cada banda do dito rio”.
Antônio da Costa Peixoto, português
de nascimento, chegou ao Ceará no ano de 1676 fixando residência nas imediações
do forte onde serviu como soldado. No ano de 1694 solicitou sesmaria na margem
do dito rio Siupé e ali passou a residir, constituindo família e alcançando
certa ascendência social e política, sendo eleito vereador da Câmara do Aquiraz em 25 de janeiro de
1700. Antônio nunca chegou a se apossar pessoalmente das terras à margem do
Acaraú. Com a sua morte essas terras foram herdadas pelos seus filhos, dentre
os quais a filha Apolônia da Costa Peixoto, que casaria com o Sargento-mor Antônio Marques Leitão, nascido em Portugal, Freguesia de
Óbidos no ano de 1663, tendo migrado para o Ceará nos fins do século XVII. Em
22 de fevereiro de 1731, Leitão recebeu o título de Sargento-mor dos Reformados
do Distrito da Vila da Fortaleza, por serviços prestados como soldado nessa
capitania e na capitania do Piauí no combate aos gentios (índios).
Após o
casamento, Leitão e Apolônia passaram a residir também na localidade de Siupé
onde viveram toda a vida. Em 05 de março de 1738 a filha do casal, Quitéria
Marques de Jesus, casa-se com
Antônio Rodrigues Magalhães, recebendo como dote dos pais as
terras herdadas por sua mãe Apolônia na ribeira do Acaraú.
Antonio
Rodrigues Magalhães nasceu na Vila do Forte dos
Reis Magos, futura cidade de Natal, província do Rio Grande do Norte, em 05 de
junho de 1702. Era filho de Luiz Oliveira Magalhães, natural do Sergipe Del Rei
e Isabel Gonçalves do Rio Grande do Norte. Antônio migrou para o Ceará por
volta de 1726, juntamente com seu cunhado João Pinto de Mesquita, marido de sua
irmã Tereza de Oliveira, os quais foram morar na fazenda Jucurutu, nas margens
do rio do mesmo nome na ribeira do Acaraú, em terras hoje pertencente ao
município de Santa Quitéria. Após o casamento, Antônio Rodrigues Magalhães
tomou posse das terras herdadas pela esposa, instalando a fazenda Caiçara,
embora continuasse morando no Siupé. No ano de 1741, o Sargento-mor Antônio
Marques Leitão fez uma doação de terras
para a constituição do patrimônio da Capela de Nossa Senhora da Soledade do
Siupé. Na mesma ocasião, o genro, Antônio Rodrigues Magalhães contribuiu para o
“encapelamento e aumento da Capela” com a doação de “dez cabeças de bestas femininas
e vinte e cinco de gado vacum feminino”.
No ano de 1742,
estando em sua fazenda Caiçara, Antônio recebeu a visita do Padre Lino Gomes
Correia, Visitador Geral dos Sertões do Norte, o qual havia escolhido a fazenda
Caiçara como o local mais apropriado para sediar o Curato da Ribeira do Acaraú
e nela construir sua matriz. Nessa ocasião, Antônio faz a doação de 100 braças
de terra em quadro para a constituição do patrimônio da Matriz de Nossa Senhora
da conceição da Caiçara. No ano seguinte, a 4 de março de 1743, Antônio
Rodrigues adquire por compra um terreno, bem próximo a sua fazenda Caiçara, no
sopé da serra da Meruoca, aumentando seu patrimônio na região. No ano de 1746,
alargando ainda mais sua área de atuação, Antônio comprou a fazenda Pindá, na
ribeira do rio Canindé, compra efetuada através de seu procurador o Pe.
Francisco Antunes Pereira, capelão do Siupé.
A partir de
outubro de 1751, o casal Antônio e Quitéria, já com sete filhos, todos nascidos
no Siupé, passa a residir na Fazenda Caiçara. Ali, nasce sua filha caçula,
Bárbara no final do ano de 1754, tendo sido batizada na capela da fazenda em 7
de janeiro de 1755. No ano seguinte, em 10 de Dezembro de 1756, é finalmente
passada a escritura das terras doadas ao patrimônio da matriz da Caiçara.
Seis meses
depois, no inicio do mês de junho de 1757, quando viajava para sua fazenda
Pindá no alto sertão do Canindé, “no lugar Fazenda Requengue”, Antônio foi
vítima de uma queda de cavalo vindo a falecer. Seu corpo foi transportado para
o Siupé onde foi sepultado na Capela de Nossa Senhora da Soledade do Siupé, no
dia 3 de junho de 1757. O sogro, Antônio Marques Leitão faleceu no Siupé em 7
de março de 1758, com 99 anos de idade sendo também sepultado na mesma capela. Sua
mulher Quitéria Marques de Jesus viria a falecer no dia 31 de agosto de 1759,
na sua fazenda Caiçara em cuja capela foi sepultada.
No entorno da
matriz da Caiçara floresceu um pequeno povoado que foi mais tarde, no dia 5 de
julho de 1773, elevada a categoria de vila com o nome de Vila Distinta e Real
de Sobral. No dia 12 de janeiro de 1841 foi elevada a categoria de cidade com o
título de Fidelíssima Cidade Januária de Acaraú e finalmente cidade de Sobral
em 25 de outubro de 1842.
Antônio Rodrigues Magalhães passaria para a história como o
Fundador de Sobral.
Texto
baseado nos livros: Cronologia Sobralense, vol. I e vol. II – Francisco Sadoc
de Araújo – Fortaleza, Ed. Gráfica Editorial Cearense Ltda, 1974; Raízes
Portuguesas do Vale do Acaraú - Francisco Sadoc de Araújo – Fortaleza,
Ed.Gráfica Editorial Cearense Ltda, 1991;
NOTAS: 1. Gilmar de
Carvalho em texto para o Anuário do Ceará, 2007/2008.