sexta-feira, 13 de junho de 2014

Os Sertões de Euclides da Cunha e a apresentação da Copa do Mundo no Brasil

A apresentação inaugural da Copa do Mundo de ontem no Itaquerão achei curta e superficial, sem bem mostrar as diversidades do Brasil.  Bom que pareceu-me baseada, sua estrutura em partes, no fabuloso livro Os Sertões de Euclides da Cunha. Pra aqueles que nunca leram e pensam que conhecem o Brasil, e falam como se fossem a própria nação brasileira, deveriam lê-lo porque O livro faz parte de nossa autêntica nacionalidade.

Os Sertões foi dividido por Euclides em três partes: 1. A Terra; 2. O Homem; 3. A Luta. Em cada partição, o escritor faz um estudo vertical do tema. Na primeira, Euclides descreve profundamente o meio onde se dá a epopéia: a Caatinga. Na segunda parte, fala do homem, habitante da terra adusta dos sertões nordestinos, o qual viria a ser protagonista da maior epopeia brasileira, a Guerra de Canudos. "O sertanejo é antes de tudo um forte..." Por fim, Euclides, narra a grande luta em que o sertanejo, armado de foices, facões e armas tomadas aos soldados de expedições militares anteriores, - foram quatro ao todo - empreendeu até o fim: "Fechemos esse livro. Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados..."

Pois bem, mas o que foi a apresentação inaugural da Copa do Mundo? Seiscentos componentes elaboraram um desfile bonito, planejado por umas belgas, que se dividiu nas mesmas, ou semelhantes, três partes de Euclides. Na primeira, procurou-se mostrar a diversidade da flora brasileira. Contudo, fixou-se apenas nas araucárias paranaenses.  Não vi floresta amazônica; não vi o bioma Caatinga ali, este justamente o habitat do símbolo da Copa do Mundo no Brasil, o tatu-bola Fuleco. Na segunda parte, tentou-se mostrar o homem brasileiro, e seus cantos e ritmos. Vi berimbau, samba de roda, frevo, danças gaúchas, axé, mas não vi o forró, o tocador de sanfona, pífano, do triângulo e da zabumba, justamente a parte sertaneja de nossos ritmos. Por terceiro, a luta, evidentemente nesta parte não tenho críticas a fazer porque a luta do futebol é simbolizada pela bola e sua interação com o jogador.

Coisa feia foram os apupos de uns poucos e palavras de baixo calão à Presidente da República pelos que pensam conhecerem o Brasil e agem como mal-educados, grosseiros e prepotentes donos da verdade. Como se o Brasil fossem eles próprios, eles detentores de uma raça que acham ser superior às outras, à toda a biodiversidade de raças que nos compõe; detratores de uma mulher que lutou dignamente, torturada que foi por acreditar em seus ideais. Lembro-os novamente o fluminense escritor Euclides da Cunha. Euclides, sem ainda conhecer o Brasil, foi encaminhado por jornal pra fazer a reportagem maior da Guerra de Canudos no Nordeste. Chegando à realidade do sertão, cheio de preconceitos, curvou-se respeitosamente ao aprendizado da dura vida que viu. E então mudou em si conceitos sociológicos que até então os tinha. Em poucas palavras no livro, o escritor diz o que é e vai ser do brasileiro:

"Não temos unidade de raça. Não a teremos, talvez, nunca. Predestinamo-nos à formação de uma raça histórica em futuro remoto, se o permitir dilatado tempo de vida nacional autônoma. Invertemos, sob este aspecto, a ordem natural dos fatos. A nossa evolução biológica reclama a garantia da evolução social. Estamos condenados à civilização. Ou progredimos, ou desparecemos. A afirmativa é segura. Não a sugere apenas essa heterogeneidade de elementos ancestrais. Reforça-a outro elemento igualmente ponderável: um meio físico amplíssimo e variável, completado por valor de situações históricas, que dele em grande parte decorreram..."

As belgas do desfile provavelmente não leram Os Sertões.

George Alberto de Aguiar Coelho

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